quarta-feira, 21 de abril de 2021

Uma questão de tempo

(Escrito em 2013. Na altura para o jornal 5 sentidos)

 

Vivendo hoje com a idade que tenho, será que não vivo no meu tempo?

Estarei errado se disser, que ontem foi o meu tempo, que hoje é o meu tempo, e que amanhã se eu viver será também o meu tempo, igual ao de todos os outros que lá chegarem?

Seria talvez mais correto referindo-me ao tempo antigo eu dizer, o tempo em que era criança, o meu tempo de jovem, e não cair no lugar comum ao dizer “no meu tempo.”

Se o meu tempo era o passado, hoje é o tempo de quem? Se hoje continuo a viver e a usufruir do tempo que penso ter direito faça chuva ou faça sol, este não é o meu tempo?

Vem a velhinha da publicidade televisiva dizer. 

"No meu tempo não havia isto, no meu tempo não havia aquilo, e no meu tempo eu não podia dizer, eu conto com o “continente.” 

De facto não, porque naturalmente quando ela era mais jovem, ainda não existia essa mina que é hoje explorada por esses mineiros sem picareta, e a velinha não podia na altura contar com o “continente.”

Não podia contar com essa coisa, e talvez contasse com algumas que não queria, como carências a nível material, mas contava isso sim com o respeito que havia pelos mais idosos e pelas crianças, contava com os vizinhos, que sem saberem dizer a palavra solidariedade executavam-na. Contava com muitas outras coisas que foram passando de moda, mas que ao desaparecerem não fazem com que vivamos hoje melhor que ontem. Contava com gente séria nos lugares de responsabilidade, contava com um país de gente pobre mas honesta, contava com muitos lares sem instalação de eletricidade mas onde a luz que irradiava do interior ia iluminando o caminho aos mais novos.

Contava com as refeições feitas em família na hora marcada, em que todos cumpriam sacramente.

Sem saudosismo doentio digo. Hoje não adianta chorar a pedir que o tempo volte para trás, tão pouco querer alterar a cronologia futura, mas que sinto algumas saudades do tempo em que fui criança e jovem, lá isso sinto. Não pelo facto de ter menos idade, mas era um tempo em que podia contar com algumas coisas boas, com que hoje não conto.

 

 

 

 

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