quinta-feira, 13 de junho de 2013

Já sim... Mas ainda não

O Inverno findou
Mas no verão ainda chove
Termina o troço de terra batida
Mas entrar na auto-estrada obriga o reabastecimento
O torpor nas pernas desaparece
Mas a locomoção não é real
A limitação inibidora desvanece-se
Mas a vontade não faz tudo
A respiração ofegante vai tendo fim
Mas tarda a oxigenação sanguínea
A alegria vai surgindo
Mas há sempre teimosas lágrimas
As batalhas vão sendo vencidas
Mas a guerra continua
A tempestade amainou
Mas ainda cai muita chuva
O barco vai navegando
Mas há altas vagas que o açoitam
A morfologia já é outra
Mas o espelho não engana.

domingo, 9 de junho de 2013

Amor tricotado

A música tocava triste, vinha de dentro, do casebre
Balada do sofrimento continuo
O velho deitado, enterrado na roupa negra da enxerga
Rangendo os ossos sem a lubrificação natural
O amor
A velha sentada no degrau à porta, fazia tricô
Tricotava umas meias
Meias de lã
Seriam para o velho talvez
O calor do amor tricotado pelas grossas mãos enrugadas
Um olhar vazio, ausente
Fazer mais por instinto que por clareza
A pouca visão não vai além da agulha
Dos fios enrolados nos dedos
E as meias vão crescendo para poderem ser usadas
Nos pés do velho quem sabe
Que já não sai da cama mas vai agora ser calçado
Quem todo o tempo andou descalço
Umas meias de lã, o calor do amor tricotado
Para quem guerreou na vida com alfaias agrícolas
Lançando o grão à terra
Nos sulcos por ele feitos
Marcados hoje no rosto tisnado
Onde se pode ler a saudade de um sorriso
De um abraço amigo
Só a velha o acode na dor escondida sob as mantas
O degrau da porta, a sombra da tarde
Umas meias para quem nunca viveu por inteiro
Que lavrou a terra derrapando nas curvas do tempo
Entrando em despiste na vida
Umas meias para os pés de quem se levantava com a aurora
E que hoje já não vê o sol
Não vislumbra os dias passados nem os que virão
Mas calçará o amor tricotado por uma companheira velha
Com pouca vista mas grande coração
Testemunhado pelos fios e pela agulha
E pela sombra que faz no degrau da porta
E a música toca triste
A balada do desespero entranhada nos ossos.

sábado, 1 de junho de 2013

Medida de peso

Dois pratos, uma balança
Num prato o peso
No outro o pesado
Ser pesado sem pesar
Ser leve sendo pesado
Deixar-se pesar pelo peso
Pela força do outro prato
Pela medida que pesa
Que avalia o peso
Não querer pesar mas ser pesado
Ser fardo, jugo
Fazer oscilar o fiel
O medidor do peso
O marcador do pesado
Ser pesado no viver
Ser peso morto
Colocado na balança
Sem escolher o lado
Estar sempre num deles
Num prato
O fiel medidor centra-se no equilíbrio
O pesado vem acima
Se o peso medida se iguala ou superioriza
Dois pratos duas vidas
Pesados numa só balança
Quando não se balança na vida.