sábado, 31 de outubro de 2020

Dia de "Todas as Santas Vaidades"

Artigo do Jornal “5 Sentidos” de Novembro 2003.

Na altura escrevi assim:

Dia de todas as “Santas Vaidades”

Aos poucos as coisas vão mudando, hoje já é um pouco diferente, e ainda bem.

É esta a minha opinião no que concerne às celebrações do dia de “Todos os Santos” e “Fiéis Defuntos”. Este ano respirava-se muito melhor no cemitério, menos fumo, menos calor das chamas constantes, e mais lugares vazios dentro da igreja nas celebrações, (aqui menos bem) e também no cemitério, pois houve dois dias (sábado 1 e domingo 2) para visitar os queridos finados, e para que as flores estivessem bem frescas houve até quem embelezasse as sepulturas no dia de “Todos os Santos”.

Para visitar o lugar onde os meus familiares foram sepultados não estou à espera de um dia especial, eles não fogem de lá nos outros dias do ano, mas se posso, também o faço no dia isso destinado, de preferência nas horas de menos movimento, para poder fazer as minhas orações, sem ter grandes perturbações de quem escolhe o cemitério para “conversar” de tudo sem se preocupar com o local “escolhido”.

É vulgar usar-se o termo romagem, para designar a ida das pessoas aos cemitérios. Numa consulta breve ao dicionário de português, constatei que a palavra romagem deriva de romaria, e o termo nem está mal aplicado. O barulho que se fazia, o efeito das luzinhas e o traje de festa que na altura era usado, assim fazia pensar, e nem faltava uma certa alusão à gastronomia, (a fazer lembrar as feiras gastronómicas) pois o engenho e a arte dos especialistas nos arranjos florais leva à utilização do uso de produtos hortícolas e frutícolas. Casos de arranjos com couves de Bruxelas, com ananás etc. Nada mal! Se a moda pega qualquer dia começam também a entrar as castanhas e faz-se ali mesmo o magusto. Só haverá um contra: é que com o lixo que se fará, vai ser preciso aumentar o número de contentores para o lixo, porque os existentes, já não chegaram, mesmo sem magusto, estavam todos a deitar por fora, mas compreende-se, porque os funcionários também têm direito a “gozar” o dia Santo.

Nunca fui contra o afeto que as pessoas dedicam aos familiares desaparecidos, mas convenhamos, certa moderação não ficaria nada mal.

Em tempo de contenção económica, poupar-se-iam mais uns cêntimos que poderiam cair nas caixas da Liga Portuguesa Contra o Cancro cujo peditório acontece nesta altura às portas do nosso cemitério. E eu vi muita gente a virar a cara à “lata”.

(Como escrevi em cima, isto é, de 2003, tem 17 anos, já quase tem maioridade)

 

 

domingo, 25 de outubro de 2020

Gente carunchosa.

 

Nos anos que tenho de trabalho, sempre lidando com madeiras e com móveis, o caruncho é algo que conheço bem, e só serve para sujar, mas não é nada que uma vassoura não consiga solucionar. 

Pior, é o caruncho que se deposita no interior do ser humano, onde a vassoura não entra.

O escritor espanhol Cervantes diz: “O caruncho de todas as virtudes e raiz de infinitos males é a inveja". Vício que entre nós dá mais trabalho a compreender. 

Ainda que tenha que se aceitar que está mais entranhado em nós do que julgamos e mais espalhado do que gostaríamos, pois como diz o ditado, se os invejosos voassem nunca chegaríamos a ver o sol”.

Como é lógico não me refiro a essa admiração a que às vezes se chama inveja, mas que é muito distinta desse vício, que os dicionários definem como “tristeza ou pesar pelo bem alheio”.

E se a emulação, o desejo de ser como os outros, o sonho de que a lotaria que calhou ao vizinho calhe também a nós são coisas lógicas e perfeitamente compreensíveis, o que já não tem sentido é que essa inveja destrua a muitos, por verem a alegria dos outros.

Efectivamente, é um vício, a inveja, que destrói muito mais o invejoso do que o invejado. O invejado se não lhe der muita importância não lhe fará qualquer mal. 

Mas ao invejoso não. Aquele que é invejoso verdadeiramente nunca será feliz, nunca poderá desfrutar do que tem só em sonhar com o que os outros têm. 

A inveja é um caruncho para a alma. Além disso, curiosamente, a inveja consegue o contrário do que pretende: não sacia aquele que a tem, e é uma secreta homenagem àquele a quem se dirige, porque o invejoso está a proclamar as virtudes ou a sorte do invejado. 

A inveja só dirige os seus tiros para aquilo que lhe parece grande. A inveja nasce forçosamente de um coração distorcido, supõe uma profunda maldade de espírito, e só um terramoto na alma a pode curar. 

A minha vida é minha, e eu não tenho que realizar a vida de ninguém, só a minha.

E como o importante é o que se é, e não o que se tem, quem é mais do que quê? 

Talvez seja mais rico, mais esperto, mais bonito, mas nunca essas coisas são a minha vida. Nenhuma delas é imprescindível para ser feliz. Rigorosamente, contra a inveja basta a sensatez, o realismo, o reconhecimento de que a felicidade consiste no máximo desenvolvimento das capacidades da nossa alma e da nossa vida, não da conquista da vida do vizinho.

Mas o que mais asco me dá é a inveja que se pode ter de quem nada mais faz do que lutar por viver com a mínima dignidade.

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

A dor dos que ficam

 

Quem parte deixa saudade

Quem fica sente a partida

Todos perdemos quem amamos

São contingências da vida.

Palavras de pouco valem

Quando sangra o coração

O tempo nem sempre cura

Mas é ajuda na compreensão.

Sentir o abraço amigo

Alivia a dor sentida

Por vezes a dor robustece

E faz-nos fortes na vida.

Andando neste caminho

Sujeitos à dor e sofrimento

Deve o amor que nos rodeia

Ser remédio e nosso alento.

Não deixemos morrer a esperança

Porque que aqueles que amamos

Já estão num caminho diferente

Caminho que todos calcamos.

Quem parte deixa saudade

Quem fica que reze aos céus

Pode ser consolo na despedida

Quando a viagem é para Deus.