sábado, 28 de março de 2020

Mar alterado

“Estamos todos no mesmo barco”
Frágeis e desesperados
Com medo, mas não abandonados
As vagas fustigam-nos e são incessantes
Mas o Homem do leme não dorme
Está connosco todos os instantes
Só nos alerta para acreditarmos
Que a tempestade nem sempre dura
E que revolta não traz a cura
Para a nossa aflição e temor
E se aguentarmos firmes esta tempestade
A nossa viagem pode correr melhor
Na consciência que as ondas a todos atingem
Seja forte seja fraco
Agarrando a bóia da fé
Porque…
Estamos todos no mesmo barco.

domingo, 22 de março de 2020

Prisão Domiciliária

Não estou confinado à cela
Ainda posso sair ao exterior sem sair da “prisão”
Acariciar o verde da erva e inalar o seu tenro cheiro
Num silêncio quase normal e nada costumeiro
(cortado pelo sino da torre da igreja)
O meu pensamento voa
E aterra onde não posso ir (onde não devo)
Começo a dar valor ao que sempre foi valioso
Por vezes feito com acre fastio
Sei não estar só, porque além da presença física e amiga
De quem sempre viveu o bom e o mau a meu lado
Tenho o calor daqueles que me povoam
Sinto-os sobre o meu peito sussurrando afetos sem palavras
Que me soam estridentemente queridas
Espero para além da esperança
E confio para além do que consigo dizer
Que o mal que hoje me assola
Possa ser purificação como o crisol é para o ouro
E que este tempo que me castiga sem chicote
Seja tempo de escuta valorizada, para que o futuro que aí vem
Porque o futuro vem de certeza
Seja tempo para dar valor à vida, que me é dada
E que eu vivo sem a viver.

terça-feira, 17 de março de 2020

Há quanto tempo?

Há quanto tempo não tinhas tempo?
Para os filhos, o marido, a esposa
Há quanto tempo não tinhas tempo?
Para parar
Para pensar em tudo quanto precisas pensar?
Há quanto tempo nem te lembravas da vida?
A não ser quando a morte te roça
Há quanto tempo não rezas?
Preocupado com o fechar das igrejas?
Tu és.
A tua casa pode ser
Há quanto tempo não lias?
O outro.
O amigo ou o vizinho
Todos somos livros, abertos ou fechados
Mas todos somos livros que se podem ler
Neste tempo “imposto” pela racionalidade
Vais aproveitá-lo com qualidade?

 «Somos frágeis. Os ossos estalam, cedem.
A alma foi aprisionada pelo corpo ou o corpo pela alma, tanto faz.
A nossa casa é o mundo.
Sujo está o mundo, e nossa fragilidade exposta.»

(do livro: A Noite Imóvel, de Luís Quintais)

sexta-feira, 13 de março de 2020

CORONA. Vírus mental que mata

«Havia um homem rico cujos campos produziram muito.
Refletindo consigo dizia.
Que fazer com tanta colheita?
Farei o seguinte: derrubarei os meus celeiros e contruirei outros maiores,
para guardar todos os meus bens.
Então direi à minha alma: tens bens para muitos anos, descansa, come, bebe e regala-te.
Deus, porém, diz-lhe: Insensato, esta noite exigirei a tua alma.
As coisas que juntaste de quem serão?» (Lucas 12,16-20)

Refastelado e de celeiro a abarrotar partiu e tudo deixou ficar. 
“Lutamos contra um inimigo, que tanto nos distrai pela ignorância
Como nos mata se acreditarmos ser só com os outros”
Já nada é como noutro tempo.
Hoje o longe se faz perto rapidamente
Pois, mas a China é tão longe…
Já era, chegou e veio para ficar
Para quem puder contar. Porque muitos já foram
Quantos mais irão? E de mim o que será?
Consciência. Solidariedade.
Sentido de comunidade precisa-se
“Teremos de lutar pela simples respiração.
Da noite nada virá.
Depois da guerra, fugimos todos.
Mobília abandonada, ficaram-nos a roupa do corpo
E na alma fantasmas, dum vírus para já mortal.
Que tal se açambarcasse-mos amor, para puder partilhar?