sábado, 25 de abril de 2020

Ter a "natureza de...

Às vezes nem é por mal, mas que posso fazer?
Isto nasceu comigo, sempre fui assim.
«Coitadinho de quem os ouve, quem as diz fica aliviado» (era assim que dizia o meu pai, a respeito de algumas palermices, consideradas autêntica verborreia»
No meio de tudo isto, onde fica o bom senso?
Simplesmente não existe. A argumentação é sempre a mesma;
Eu nem queria ser assim, mas está-me no sangue, é da minha “natureza.”
Por vezes uma forte anemia era a solução para tanta palermice, digo eu que neste momento desconheço quais os valores do meu (sangue.)
É que o mau não é só de quem é atingido diretamente pelas alarvices ditas e feitas, a repercussão também fere quem as diz ou faz.
Sossego, ponderação nos ditos, são medida urgente para tanto lixo esvoaçante.
A melhor atitude é a coragem para amarfanhar o desejo que tenho de mostrar a “natureza” de que sou feito na prática das minhas ações, que só fazem o mal.
Apesar de gostar, e usar muitas vezes a frase; «cada um é ele mesmo e as suas circunstâncias», dito por, D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto na época Salazarista, acho que o dito explica muitas coisas, mas não é desculpa para tudo, por isso não resisto a contar uma pequena história (podendo já ser conhecida por alguns).
O contado passa-se entre um escorpião e um sapo.
O escorpião pretende atravessar um rio, mas não sabe nadar, então pede ao sapo que nada bem, se o leva às costas até à outra margem.
O sapo replica: pois levo-te nas costas, tu picas-me e como é que ficamos?
O escorpião diz; não o farei senão afogamos os dois.
O sapo acedeu, o escorpião sobe-lhe nas costas e começam a travessia do rio.
De repente o sapo sente um ardor doloroso nas costas e começam a afogar-se.
Agonizante o sapo ainda consegue dizer; afinal picaste-me, e vamos morrer os dois!
O escorpião responde; que queres está na minha “natureza”.
Por causa da “natureza” de um, foram os dois para o fundo.
Se a “natureza” fosse boa.
Mas há sempre muito mais “naturezas” más.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Contingências

Vejo o escorrer da vida
Quando em dia de chuva
Olho os escorridos vidros de uma janela.
Sinto a vida a pingar
Quando descuidado e de peito aberto
Assumo ao exterior do meu abrigo.
Vejo a vida voar Quando a imagino no alto
À boleia nas asas de uma gaivota.
Sinto o ruir da existência
No abafado trovão ensurdecedor
Que se despenha no alto mar.
Vejo os cruzamentos da vida
Do meu interior gradeado
Na prisão dos limites impostos.
Sinto o tenaz aperto
Da vida agrilhoada
Numa liberdade só dita.
Vejo e sinto o viver num cadinho
Que na fornalha derrete a matéria
Para moldar uma nova vida.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Tempos de Pandemia

Decorria o ano de 1957 quando eu nasci. Portugal vivia então em estado de emergência.
O vírus da altura era a pobreza, que matava velhos, novos e crianças. (os mais pobres)
Quando nasci em minha casa todos viviam infetados. Os meus pais, e os sete irmãos mais velhos.
Os que nasceram após mim, cinco ficaram também em confinamento, outros dois morreram logo após o nascimento, e foram para o céu escapando assim à pandemia que se vivia em casa. Nesse tempo não se usava máscara de proteção, nem luvas. A proteção das mãos do meu pai e da minha mãe, eram os calos. Quando os meus irmãos mais velhos (que eram ainda crianças) foram trabalhar para atenuar a contaminação, ganharam a mesma proteção para as mãos.

Para a boca a proteção não era a máscara (que hoje todos reclamamos) mas o “açaime” ou a mordaça, para evitar a contestação aos causadores da propagação da doença.
 Os infetados que tiravam a mordaça, não iam para o hospital, eram encaminhados para a cadeia. (eram assim que se chamava ao que hoje se diz de pisão ou penitenciária.
Nesses anos os infetados não tinham acesso aos médicos, porque não podiam pagar-lhe, basta dizer que os 15 filhos que a minha mãe teve, nasceram todos em casa, o acompanhamento durante a gravidez era zero.
Também por isso é que no cemitério local (como noutros) havia uma parte destinada às crianças. (O cemitério das crianças) Durante o nascimento a ajuda vinha da “parteira” sra. Maria Júlia, (Ti Maria jula) que tinha tanto de habilidosa como de beleza interior.

Nunca saíamos para ir aos hipermercados, não havia… os da altura eram as “lojas” vizinhas, a do Sr. António Sigalho, a da Sra. Maria da Vinha, e a da Sra. Alzira da Clara.
Funcionavam como mercearia e tasco, onde se comprava a crédito pagando no fim do mês.
Quando não havia dinheiro lá se ia pedir clemencia para a continuação das compras que, entretanto, se pagariam.

Eu a primeira vez que me lembro de médico já tinha 12 anos, (em 1969) quando fui para o hospital, não por causa da pandemia da pobreza, mas em consequência dela, com um “ataque” de Meningite, que me deixou entre a vida e a morte.
Durante algumas semanas paralisado e sem visão.
Foram 8 meses de internamento (com muitas “histórias” à mistura) com punções lombares sem conta, até que se dá o regresso a casa, não totalmente curado, mas capaz de me ter de pé.
Continuei em tratamento, indo semanalmente ao hospital, de quando em vez fazendo uma punção lombar, para os médicos avaliarem a evolução, até que tive alta hospitalar quando tinha 16 anos.
Não há mal que sempre dure, mas em todo o tempo de tratamento continuei sempre contaminado pela tal pandemia da pobreza.

Hoje temos acesso a quase tudo, alguns a tudo (e mais alguma coisa que não lhes pertence) mas porque hoje se vive sem a mordaça de antigamente (a da lei da rolha)
Reclamamos de tudo, e até do que temos de bom.
Se calhar nada é comparável ao flagelo vivido hoje, mas fico deveras aborrecido com alguns comentários a propósito de tudo, de gente que parece saber tudo a respeito de tudo, o que me leva a ter este desabafo.

Por tanto se me puderem desculpar por alguma incorreção mais impertinente…
É que, quem é apanhado pela Meningite, ou morre ou fica tolo, e eu não morri.
“Uns morrem outros ficam assim”.

sábado, 11 de abril de 2020

Quem dera a Fé fosse viral

Porventura haveria menos pessoas na rua
Com medo da infeção
Há um terror no acreditar
Não mata, mas causa repulsão
Que bom seria deixar-se contaminar
Por este vírus que impele e faz viver
Em qualquer credo e deixar-se guiar
Pela virose que faz renascer
Um mundo novo uma nova gente
Com outros olhos para olhar de frente
Essa pandemia,a da Fé
Não precisa médico nem hospital
É uma doença que leva ao amor
Ao amor que às vezes faz doer
Mas é remédio
E quem ama de verdade vive em felicidade
Que é cura para quem arrisca sofrer
A Fé tira a máscara da proteção
Dispensa luvas, mas requer purificação
Este vírus, a Fé
Não tem peso nem medida
O vírus da Fé
É um estilo de via

domingo, 5 de abril de 2020

Qual o lugar certo?

Chegado a esta fase da vida
Nestes anos de idade permitidos
É razoável permitir-me estas questões?
Como vivo o lugar que ocupo
O espaço por mim escolhido
Às vezes em sítios sem escolher
Tudo o que me rodei
Experiências, contingências e circunstâncias
As minhas
A consciência que o meu lugar, não é o que se vê
Sei-me melhor naquilo que faço (ou não)
Ainda assim onde melhor me sinto
O melhor lugar para viver
É a minha casa.