sexta-feira, 17 de abril de 2020

Tempos de Pandemia

Decorria o ano de 1957 quando eu nasci. Portugal vivia então em estado de emergência.
O vírus da altura era a pobreza, que matava velhos, novos e crianças. (os mais pobres)
Quando nasci em minha casa todos viviam infetados. Os meus pais, e os sete irmãos mais velhos.
Os que nasceram após mim, cinco ficaram também em confinamento, outros dois morreram logo após o nascimento, e foram para o céu escapando assim à pandemia que se vivia em casa. Nesse tempo não se usava máscara de proteção, nem luvas. A proteção das mãos do meu pai e da minha mãe, eram os calos. Quando os meus irmãos mais velhos (que eram ainda crianças) foram trabalhar para atenuar a contaminação, ganharam a mesma proteção para as mãos.

Para a boca a proteção não era a máscara (que hoje todos reclamamos) mas o “açaime” ou a mordaça, para evitar a contestação aos causadores da propagação da doença.
 Os infetados que tiravam a mordaça, não iam para o hospital, eram encaminhados para a cadeia. (eram assim que se chamava ao que hoje se diz de pisão ou penitenciária.
Nesses anos os infetados não tinham acesso aos médicos, porque não podiam pagar-lhe, basta dizer que os 15 filhos que a minha mãe teve, nasceram todos em casa, o acompanhamento durante a gravidez era zero.
Também por isso é que no cemitério local (como noutros) havia uma parte destinada às crianças. (O cemitério das crianças) Durante o nascimento a ajuda vinha da “parteira” sra. Maria Júlia, (Ti Maria jula) que tinha tanto de habilidosa como de beleza interior.

Nunca saíamos para ir aos hipermercados, não havia… os da altura eram as “lojas” vizinhas, a do Sr. António Sigalho, a da Sra. Maria da Vinha, e a da Sra. Alzira da Clara.
Funcionavam como mercearia e tasco, onde se comprava a crédito pagando no fim do mês.
Quando não havia dinheiro lá se ia pedir clemencia para a continuação das compras que, entretanto, se pagariam.

Eu a primeira vez que me lembro de médico já tinha 12 anos, (em 1969) quando fui para o hospital, não por causa da pandemia da pobreza, mas em consequência dela, com um “ataque” de Meningite, que me deixou entre a vida e a morte.
Durante algumas semanas paralisado e sem visão.
Foram 8 meses de internamento (com muitas “histórias” à mistura) com punções lombares sem conta, até que se dá o regresso a casa, não totalmente curado, mas capaz de me ter de pé.
Continuei em tratamento, indo semanalmente ao hospital, de quando em vez fazendo uma punção lombar, para os médicos avaliarem a evolução, até que tive alta hospitalar quando tinha 16 anos.
Não há mal que sempre dure, mas em todo o tempo de tratamento continuei sempre contaminado pela tal pandemia da pobreza.

Hoje temos acesso a quase tudo, alguns a tudo (e mais alguma coisa que não lhes pertence) mas porque hoje se vive sem a mordaça de antigamente (a da lei da rolha)
Reclamamos de tudo, e até do que temos de bom.
Se calhar nada é comparável ao flagelo vivido hoje, mas fico deveras aborrecido com alguns comentários a propósito de tudo, de gente que parece saber tudo a respeito de tudo, o que me leva a ter este desabafo.

Por tanto se me puderem desculpar por alguma incorreção mais impertinente…
É que, quem é apanhado pela Meningite, ou morre ou fica tolo, e eu não morri.
“Uns morrem outros ficam assim”.

Sem comentários:

Enviar um comentário