segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Não há engano se..

 

 

O algodão não engana

Se for usado limpo

As palavras nunca ferem

Se o pensamento é reto

O olhar nunca faz mossa

Se o coração transborda amor

A cólera é sempre contida

Se o perdão prevalece

Até a noite finda

Se o sol nos visita

As nuvens também se afastam

Se o carinho pairar

A tempestade tende a amainar

Se a alegria surgir

O coração melhor respira

Se o amor é oxigénio

O espelho é sempre fiel

Se a alma é transparente

A vida é sempre vivida

Se eu quero vive-la.

 

 

domingo, 23 de novembro de 2025

Quem é o pobre

 

“Pobres dos pobres que são pobrezinhos” (Guerra Junqueiro)

 

Há um dia em que se lembra o pobre

Será que quem o é esquece?

Ou será lembrança para aquele

Que faz o pobre e não reconhece?

Alguns são e não sabem

Outros são e não suportam

Vivem sempre revoltados

Escondendo o que todos notam

Pobres conheço, mas há muitos

Que são muito ricos na vida

Ricos há que são pobres no viver

Por fazerem pobres por medida

Há pobres e pobrezinhos

Vitimizam-se e querem ser

Outros vão por outros caminhos

Sendo pobres são ricos

Antes e depois de morrer

 

“Não é de protagonismo que os pobres precisam.

Mas de amor que sabe esconder-se e esquecer o bem realizado”

(Papa Francisco)

“Existem, no entanto, várias formas de pobreza.

E há entre todas uma que escapa às estatísticas e aos indicadores:

É a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos.”

(Mia Couto)

 

sábado, 22 de novembro de 2025

Ardente chama

 

 

Se chamas eu ouço

Quando as chamas são o grito

Eu ouço e vejo.

Sinto o calor do fogo

Ouço o crepitar das chamas

E quanto mais alto chamas

Mais as chamas se propagam

Mais o calor atiça e sufoca.

Vejo e ouço as chamas

Se chamas.

É no teatro do fogo

Que as chamas se combatem

Se chamas.

E quando chamas

O fogo amaina

As labaredas se extinguem

E do rescaldo fica a cinza

A calma no grande fogo

Que agora extinto

Sempre reacende

Porque a chama persiste.

E quando as chamas são o grito

Eu ouço e vejo

Se chamas eu ouço.

 

domingo, 16 de novembro de 2025

Descobrindo caminho

 

 

 

Depois de entrar

Difícil é encontrar a saída

A gruta é negra

Labiríntico o caminho

Melhor é parar 

Tentar a saída pela aragem fresca

Se a sentir.

Cansei dos fortes vendavais de sangue

Do enxurro caudaloso das lágrimas

Do viver encostado às paredes da tempestade

De perder-me a olhar

Olhar sem ver

Que a vida é o meu mar

Um mar não só de água feito

Também é vida

Vida que acaba

Quando é crematório sem fogo

Quando as cinzas são as fundas areias

E eu que nunca aprendi a nadar

Nunca quis

Nadar

Em águas impostas

Em falsas apostas

Que não faço porque no meu abrigo

Na gruta

De tão escura

Nunca iria ver os dados.

 

 

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Borrasca

 

 

Depois da intempérie no alto mar

Atraquei em desabrido porto.

Minha embarcação fragilizada

Com o casco constantemente açoitado

Abre rombos que procuro esconder

Fendas profundas, esguias e traiçoeiras.

Os surdos gritos lancinantes

Que só a noite perscruta

Jazem no fundo féretro

Ecoando agoirentos num lamento.

A âncora nunca lançada

Faz do barco velha dançarina

Ao som de frenética sinfonia

Tocada por altas ondas.

E o mar que nunca acalma…

Para quando um sol de nascente

Até quando a noite de breu

Este estio desesperante

Golpe certeiro que rasga a vontade da luta.

Amainai tenebrosas ondas

Aplacai-vos ventos assassinos

Apiedai-vos da minha pobre embarcação

Deixai que lhe repare os danos

Que lhe sare os profundos lanhos

E mesmo que jamais navegável

Presa por grossas amarras

Fundeada eternamente no porto

Permiti-lhe um casco limpo.

 

sábado, 8 de novembro de 2025

Cultivar o pão nunca comido

 

 

Escrevo do lado invisível da imaginação

Nas sombras da noite de baça luz

Na parede por dentro da escrita

Ergo o candeeiro à altura dos olhos

E vejo os pés descalços que correm

Atrás da vida que sempre lhes foge

Por entre os dedos de grossos calos.

Como a paveia da erva atrás do segador

Ficam também aqueles que morrem

Sem nunca terem provado o pão que semearam

Imaginai o que nunca tivestes nas mãos

Além das alfaias do trabalho escravo

Correi pois atrás do merecedor sonho

Desta ceifa terrestre que vos ceifa a vida

E que viver vos parece castigo

Porque viver é mais que aquilo

Que na vida vos é concedido.