quarta-feira, 23 de julho de 2025

Contingências

 

 Vejo o escorrer da vida

Quando em dia de chuva

Olho os escorridos vidros de uma janela.

 

Sinto a vida a pingar

Quando descuidado e de peito aberto

Assumo ao exterior do meu abrigo.

 

Vejo a vida voar

Quando a imagino no alto

À boleia nas asas de uma gaivota.

 

Sinto o ruir da existência

No abafado trovão ensurdecedor

Que se despenha no alto mar.

 

Vejo os cruzamentos da vida

Do interior gradeado

Na prisão dos limites impostos.

 

Sinto o tenaz aperto

Da vida agrilhoada

Numa liberdade só dita.

 

Vejo e sinto o viver num cadinho

Que na fornalha derrete a matéria

Para moldar uma nova vida.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Sinais do corpo

 

«Segunda-feira 11 de Julho

No átrio do infantário frequentado pelas netas

Com os pertences na mão a Leonor e a Luísa

De olhar muito sério mas calmo

Fitam-me de alto a baixo, encostando-se nas minhas pernas.

Diz a Leonor:

- Tu ontem foste à feirinha.

Queria ela dizer:

- Tu ontem pregaste-nos um grande susto.

A Luísa a cada palavra dizia que sim acenando com a cabeça.

Dei-lhes um beijo, tocado pela preocupação.

Meninas maravilhosas.

Explicando-me foi-lhes dizendo. Foi uma indisposição passageira.

Já passou.

A Leonor, do alto dos seus 5 anos continuou.

- Sabes avô, a mamã diz que:

“O nosso corpo dá sinais quando não está bem”

Muito bem disse eu, é isso mesmo.»

Perfeito para explicar o acontecido.

 

É isso são sinais

E o meu corpo vai dando alguns

Aqueles que entendo contorno

Mesmo sendo só de perigo

Outros são de obrigação

Há sinais que nos mandam ao chão

Por sorte ainda não havia buraco

E deu para continuar a circular

Com velocidade limitada

Até o próximo susto.

 

(Faz nove anos, 4 depois de intervenção cirúrgica.)

 

 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Poema vivo de amor

 

 

Nos versos dos teus olhos

Leio um mundo de paz

Nos fios dos teus cabelos

Soletro uma vida vivida

Na rima do teu sorriso

Sossega em prosa a minha alma

És poema que me deleita

Na descoberta de cada estrofe

És melodia que encanta

Musa de inspiração

Trova musicada e bela

Ode ritimado e profundo

Epopeia do meu mundo

Que meus olhos beijam de mansinho

Narrativa de amor doado

Serás sempre o meu poema

Lido relido e amado.

 

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Espelho meu

 

 

Um destes dias, ao ver-me ao espelho fiquei impressionado

Verifiquei o quanto sou parecido com o meu pai

Observando as feições que o espelho me mostra

Vi o homem que tive na minha frente

Quando era rapaz mais novo

O homem que admirava, criticava, amava e temia

Fiz um grande esforço para descortinar

O meu “eu” no rosto daquela pessoa

E então muitas perguntas surgiram

Quem era, quem fui ou sou enquanto filho desse homem

Ao ver-me ao espelho concluí que todas as diferenças

De que fui tendo consciência ao longo da vida

Eram muito pequenas em comparação com as semelhanças

Dei conta com surpresa de que era

Herdeiro e sucessor, as vezes admirado

Outras vezes temido, louvado e incompreendido pelos outros

Tal como o meu pai o foi por mim.