quinta-feira, 23 de maio de 2024

Se um dia

 

 

Se um dia quiseres chorar, e não conseguires fazê-lo, liga-me

Não prometo fazer-te rir, mas não vais chorar sozinho

 

Se um dia te desprenderes do que te aprisiona, não exites em ligar-me

 Desde já prometo não pedir que fiques, mas posso ficar contigo

 

Se um dia não te apetecer falar com ninguém, liga-me

E ficaremos os dois em silêncio.

 

Se um dia tu me ligares, e eu não atender

Anda a correr até mim

Porque certamente estou a precisar de ti.

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Tempo de seca

 

 

Um nicho

A estátua de um santo

Em plena via pública

E as letras garrafais da legenda.

“O sangue dos Mártires é semente de cristãos”

Falando para mim mesmo

(Caminhava sozinho) dizia.

Hoje continua a fazer-se Mártires

E muitos

Os cristãos cada vez são menos

E mais velhos

Poucos nascem

Cristãos

E a máxima do “poucos e bons”

Também parece falível.

Que é feito da semente?

(O sangue dos Mártires)

A diminuição dos terrenos aráveis

Dos homens e mulheres do amanho da terra

E principalmente a seca

É plausível explicação.

Facto é que tem chovido 

Neste momento onde estou chove

O sol por vezes é quente, mas

O calor nem é muito

Mas a seca existe.

A aridez do terreno

Impede o germinar do alfobre

Se cai a água do alto e é regado

Depressa vem a erva daninha

Cresce e rápido abafa a sementeira.

Perdida a semente

Nunca haverá fruto

Há-de surgir nova semente

Mas a seca interior

Levará novamente ao pecado do desperdício

O ressurgimento dos Mártires continuará

O aumento dos cristãos

Nem por isso.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Isso será viver?

 

 

Para mim que estou de fora é sempre mais fácil, mas deixa que te pergunte.

Porque não foges dessa casa em ruínas?

Porque não sacodes o bolor que se entranha no teu corpo?

Porque não abandonas as paredes bafientas que te humedecem a alma?

Porque não paras e te perguntas se é vida o que vives?

Gostas do que tens?

O que tens dá-te vida?

Há prisões em que as grades são bem mais flexíveis, e as saídas precárias mais livres que a tua liberdade.

O que te pode ligar a alguém quando o respeito não existe?

Quando o azedo fel destilado é a única comunicação?

A constatação destas não vidas causam-me enorme tristeza

As ofensas verbais são afiadas facas que ferem e mutilam

Agridem sem confronto físico

Mas a dor da chicotada linguística magoa mais que forte paulada

O que te obriga a uma ligação assim que a não possas cortar?

Não morras aos poucos

Há muito mais vida para além desse triste viver.

domingo, 19 de maio de 2024

Revestimento de protção

 

 

Há feridas que deixam marcas

Cicatrizes

Ainda bem

“As cicatrizes protegem mais que a pele”

Uma macia pele

Em tudo se fere

O calejamento resiste ao ferimento

Estar blindado

A debilidade da doença

É a robustez ao mal exterior

O sofrimento causticante

É imunidade para a vida

O escudo

A couraça

Serve de revestimento

Ensina como ser

Forte nas fraquezas

Prepara para fazer

Das muitas fraquezas força.

 

 

sábado, 11 de maio de 2024

A fome campeia

 

A fome saiu à rua, foi andando de mansinho sorrateiramente à procura de guarida no intuito de se instalar. Não avisa quando vem, mas quando aparece é para ficar e, dificilmente é desalojada.

Não entra em todas as casas porque algumas já se precaveram contra essa praga.

Preveniram-se a tempo com altas grades de proteção, com sofisticados sistemas de alarme e câmaras de vigilância, e assim a dita não consegue entrar.

Mas a fome não desiste, continua imperturbável o seu caminho e entra em zonas mais fragilizadas onde as ruas são tugúrios e as casas são abarracadas.

Aí não há resistência de qualquer espécie e ela nem precisa que lhe abram, qualquer brecha das muitas que tem a construção permite a sua penetração.

E há muitas casas que estão em risco de desmoronar por tantas fendas feitas na tosca construção.

É a “fenda” do desemprego, a “fenda” da baixa escolaridade.

A “fenda” dos baixos salários, a “fenda” da velhice e da doença, a “fenda” da marginalidade e da marginalização, a “fenda” da exclusão social, a “fenda” da falta de capacidade intelectual e tantas outras que fazem das paredes um buraco só.

Mas a fome continua a avançar e entra noutros domínios.

Ela é companhia assídua de jovens casais que optam por conviver com ela para não faltarem a outros compromissos.

É pendura e anda sempre à boleia.

Acompanha os seus “portadores” para a escola, para o trabalho, para as ruas e becos, e volta de novo para as casas onde mora de favor, e aí é muito mais sentida e notada.

A fome está no insucesso escolar, está nas desavenças familiares, mas, também vai ao futebol, vai aos espetáculos de Rock, porque como diz o povo” anda muita fome encoberta”.

Mas como nem só de pão vive o homem e do outro Alimento também poucos o procuram, cada vez temos mais fome a descoberto, e ela campeia em muitos lugares que se pensavam interditados.