A fome saiu à rua, foi andando de mansinho
sorrateiramente à procura de guarida no intuito de se instalar. Não avisa
quando vem, mas quando aparece é para ficar e, dificilmente é desalojada.
Não entra em todas as casas porque algumas já se precaveram
contra essa praga.
Preveniram-se a tempo com altas grades de proteção,
com sofisticados sistemas de alarme e câmaras de vigilância, e assim a dita não
consegue entrar.
Mas a fome não desiste, continua imperturbável o seu
caminho e entra em zonas mais fragilizadas onde as ruas são tugúrios e as casas
são abarracadas.
Aí não há resistência de qualquer espécie e ela nem
precisa que lhe abram, qualquer brecha das muitas que tem a construção permite
a sua penetração.
E há muitas casas que estão em risco de desmoronar
por tantas fendas feitas na tosca construção.
É a “fenda” do desemprego, a “fenda” da baixa
escolaridade.
A “fenda” dos baixos salários, a “fenda” da velhice
e da doença, a “fenda” da marginalidade e da marginalização, a “fenda” da exclusão
social, a “fenda” da falta de capacidade intelectual e tantas outras que fazem
das paredes um buraco só.
Mas a fome continua a avançar e entra noutros
domínios.
Ela é companhia assídua de jovens casais que optam
por conviver com ela para não faltarem a outros compromissos.
É pendura e anda sempre à boleia.
Acompanha os seus “portadores” para a escola, para o
trabalho, para as ruas e becos, e volta de novo para as casas onde mora de
favor, e aí é muito mais sentida e notada.
A fome está no insucesso escolar, está nas
desavenças familiares, mas, também vai ao futebol, vai aos espetáculos de
Rock, porque como diz o povo” anda muita fome encoberta”.
Mas como nem só de pão vive o homem e do outro Alimento
também poucos o procuram, cada vez temos mais fome a descoberto, e ela campeia
em muitos lugares que se pensavam interditados.